Escolas de samba vão a Parintins buscar “tecnologia cabocla”
O alto escalão do Carnaval esteve no último fim de semana no Festival Folclórico de Parintins, que acontece anualmente na cidade homônima localizada a 370 km de Manaus.
O presidente da Liga das Escolas de Samba do Rio (Liesa), Gabriel David, posou ao lado de diretores da Grande Rio em fotos nas redes sociais, e Tarcísio Zanon, carnavalesco da Viradouro, atual campeã do RJ, também foi ao evento.
Eles estavam a trabalho. Há mais de duas décadas as escolas de samba fazem referências e, principalmente, levam artesãos parintinenses para “dar vida” às alegorias carnavalescas do Sudeste.
Os desfiles do Carnaval acontecem em uma avenida; as apresentações de Parintins, em uma arena. Como andam menos para a frente, os espetáculos de Parintins apostam em um leque mais variado de movimentos e dinâmicas cenográficas.
“Eles dão movimentos a esculturas articuladas, dentro do que os próprios parintinenses chamam de ‘robótica cabocla'” diz Zanon, da Viradouro. “São cabos de aço e elásticos tensionados que permitem às estruturas alegóricas dar vida aos elementos. Uma tecnologia criada em Parintins que contribui muito para o desfile das escolas de samba.”
Os trabalhadores de Parintins “elevam a qualidade dos desfiles”, segundo Alexandre Furtado, presidente da paulistana Império de Casa Verde. “Adotamos desde 2005 a participação desses profissionais, cada vez mais intensa nas definições dos projetos alegóricos”, conta.
Especialistas citam 1998 como o ano em que foi construída a maior ponte entre as duas festas, que antes faziam trocas culturais tímidas.
Naquele ano, o Salgueiro levou para avenida o enredo “Parintins, a ilha do boi-bumbá: Garantido X Caprichoso, Caprichoso X Garantido”, com artistas parintinenses participando diretamente das criações.
Desde então, dirigentes do Carnaval de São Paulo e do Rio de Janeiro contratam os artistas do Norte por um diferencial que o Sudeste ainda não consegue replicar, segundo Aydano André Motta, jornalista e biógrafo de escolas de samba.
Ele avalia, contudo, que nas agremiações há uma segregação entre o trabalho mecânico, desempenhado pelos artistas do Norte, e o criativo, concentrado nos criadores das próprias escolas.
“As escolas de samba não se preocupam em aprender as técnicas deles, não investem em formação e têm que contratá-los o tempo todo. Não há trocas de tecnologias. É uma contratação como serviço”, diz. “O artista de Parintins é subaproveitado nos carnavais do Sudeste, diante do que é feito no Norte. É mais um no barracão, mesmo tendo estudado muito mais”, critica.
Eli Pereira Natividade, 41, é artista plástico do Boi Caprichoso, em Parintins, e da Império de Casa Verde, em São Paulo. Ele faz parte do grupo de trabalhadores que atravessa o país sazonalmente desde os anos 1990 por causa das duas festas.
“Saindo daqui de Parintins a gente vai para São Paulo fazer Carnaval. De lá, já voltamos para fazer Parintins. É a trajetória do ano todo”, conta.
“É inexplicável o que a gente faz aqui [Parintins]. Essa parte do movimento das alegorias é o que dá vida para as escolas de samba.”
O Boi Caprichoso venceu na última segunda-feira (1°), pelo terceiro ano consecutivo, o Festival de Parintins. É a 26ª vitória do boi azul no festival, contra 32 do rival Garantido.