Polícia

Entenda por que pastores condenados a 21 anos de prisão por matar e queimar corpo de adolescente estão soltos

O mestre em direito Pablo Domingues explicou o motivo de os pastores Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva cumprirem a pena inicialmente em liberdade, mesmo condenados a 21 anos de prisão em regime fechado, pela morte do adolescente Lucas Terra.

“Se essa decisão ainda tem recurso, ela ainda não passa imediatamente a surtir efeito. Por isso, teve a decisão e as pessoas voltaram aos seus lares, as suas vidas”, disse Pablo Domingues.

De acordo com Pablo Domingues, isso aconteceu por não haver trânsito em julgado e o Tribunal de Justiça da Bahia entendeu que não há motivo que demande a prisão imediata de ambos. Como responderam por todo o processo em liberdade, os condenados têm o direito de aguardar os julgamentos dos recursos livres.

“Não há ilegalidade nisso. Isso é uma previsão que está na nossa constituição, ninguém, a rigor, perde seu estado de inocente a partir de uma decisão condenatória, porque essa decisão condenatória precisa ser confirmada pelas instâncias superiores”, disse o especialista.

Conforme Pablo Domingues, até que isso aconteça, mesmo havendo uma decisão que tenha condenado os pastores, Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva ainda conservam os seus estados de inocentes.

“Isso só vai ser modificado e a pessoa só vai poder ser presa, fruto dessa decisão, depois que os recursos se esgotarem”, pontuou.

Pablo Domingues afirmou que a decisão do Júri Popular é soberana e as hipóteses de modificações das penas são bem restritas, mas podem ocorrer.

“O que pode acontecer e é o que geralmente leva discussões nos tribunais, depois dessas decisões, é se alegar eventual nulidade de uma decisão do Júri”.

Um dos exemplos citados pelo especialista em direito é na possibilidade de os jurados proferirem uma decisão contrária a uma prova que tinha no processo.

“Nestas situações, o Tribunal pode rever a decisão do Júri, mas não é rever para modificar o conteúdo dela, o máximo que ele pode chegar é anular essa decisão e determinar que outro Júri se forme, para que haja outro julgamento”.

O advogado explicou ainda que não há uma previsão para que todos os recursos se esgotem. No entanto, há uma média para que os trâmites completem entre 3 e 5 anos.

“Se for considerar todos esses trâmites (Tribunal de Justiça da Bahia, Superior Tribunal de Justiça e Superior Tribunal Federal), por mais que a gente não possa estabelecer uma conta matemática, mas em uma média, eu diria que entre três e cinco anos para que se complete todo esse trâmite”.

Entenda o caso

Lucas Terra  — Foto: Reprodução/TV Bahia

Lucas Terra — Foto: Reprodução/TV Bahia

Lucas Terra tinha 14 anos quenaod foi queimado vivo e teve o corpo abandonado em um terreno baldio da capital baiana em 2001. Ele também teria sido estuprado pelos pastores após flagrar uma relação sexual entre os dois, dentro de um templo da Igreja Universal do Reino de Deus, na capital baiana.

A defesa dos pastores informou que vai se pronunciar em momento oportuno. Já a Igreja Universal disse que lamenta a necessidade de recorrer à Justiça para assegurar a verdade, e que vai usar todos os recursos cabíveis para que fique provada a inocência dos pastores. (Veja nota na íntegra abaixo)

Encerramento do júri

O júri terminou na quinta-feira (27), com pena de 21 anos de prisão em regime fechado para cada um dos acusados. A sentença cabe recurso no próprio Tribunal de Justiça da Bahia e também em instâncias maiores: Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, mas encerrou o sentimento de impunidade pelo crime, vivido por Marion Terra havia 22 anos.

“Hoje [quinta, 27] foi o dia da minha vitória. Eu quero agradecer a todos da imprensa, que incansavelmente nunca se calaram, nunca foram omissos, sempre foram a nossa voz. Essa vitória não é só minha, não é só do Carlos, não é só do Lucas, essa vitória é de todas as mães da Bahia. De todos os jornalistas, de todas as famílias que, muitas vezes, perdem os filhos e se deparam com poderosos economicamente, e levam 22 anos, como nós levamos, e às vezes nem têm direito à justiça”, disse.

“Estou muito emocionada, muito mesmo, pelo Carlos, pelo Lucas. Depois de 22 anos, essa é a justiça que eu tanto esperava, que eu queria. Eu queria vê-los condenados”.

Um dos advogados da família e assistente de acusação, Vinícius Dantas, detalhou que os 21 anos da condenação correspondem apenas ao crime de homicídio triplamente qualificado pelo motivo torpe, o emprego do meio cruel e a impossibilidade de defesa da vítima.

“Eles também foram condenados pela ocultação de cadáver. Todavia, a pena de ocultação de cadáver foi de um ano e ela já prescreveu. Então, eles só cumprirão a pena, de transitar em julgado, do homicídio, que foi de 21 anos em regime fechado”, explicou Dantas.

Condenação

Ambos os pastores Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva foram condenados a 18 anos de prisão, ampliadas para 21 anos por causa dos agravantes do homicídio. A sentença deve ser cumprida em regime fechado.

Além dos crimes de homicídio e ocultação de cadáver, Joel e Fernando também teriam estuprado o adolescente, que na época tinha 14 anos. Isso teria acontecido depois de Lucas flagrar uma relação sexual entre os dois, dentro de um templo da Igreja Universal do Reino de Deus, na capital baiana.

Como o corpo da vítima foi encontrado bastante carbonizado, o Departamento de Polícia Técnica (DPT) não conseguiu identificar, durante a perícia, se houve a violação sexual.

Júri popular

Lucas Terra — Foto: Reprodução/TV Bahia

Lucas Terra — Foto: Reprodução/TV Bahia

No primeiro dia do júri, cinco testemunhas de acusação e uma de defesa foram ouvidas. Segundo um dos advogados de acusação, Jorge Fonseca, a testemunha de defesa apresentou contradição na fala. Por isso, os advogados de acusação pediram acareação, ou seja, que a testemunha prestasse depoimento novamente.

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“Verificamos inconsistências nos depoimentos de algumas testemunhas com o dele, então a acareação serve para pôr em cheque e esclarecer o depoimento”, explicou o advogado Jorge Fonseca.

Entre as testemunhas de acusação ouvidas no primeiro dia, estava a mãe da vítima, Marion Terra, que se emocionou bastante durante o depoimento. Por ter sido testemunha na terça (25), Marion não pôde participar do segundo dia do júri. Ela esteve no Fórum Ruy Barbosa na quarta, mas foi embora antes da sessão começar.

Além de Marion, outras testemunhas deram seus depoimentos. Uma das testemunhas afirmou que viu Lucas na noite em que ele desapareceu, na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), no bairro da Santa Cruz, e recebeu da vítima a informação de que ele estaria com Silvio Galiza.

Marion Terra, mãe de Lucas Terra, dias antes do julgamento — Foto: Reprodução/TV Bahia
Marion Terra, mãe de Lucas Terra, dias antes do julgamento — Foto: Reprodução/TV Bahia

Outra testemunha disse que recebeu orientação de um pastor da IURD para suspender as buscas por Lucas Terra, que eram feitas por familiares e amigos, de modo independente.

No segundo dia do júri, que durou cerca de 10 horas, as esposas dos dois pastores testemunharam a favor dos réus. A advogada de acusação, Tuany Sande, disse que foram encontradas contradições no depoimento da companheira do pastor Fernando Aparecido da Silva:

  • As contradições foram identificadas quando a esposa de Fernando Aparecido da Silva teria dito que havia encontrado com Lucas Terra em Copacabana, no Rio de Janeiro;
  • Entretanto, nos autos do processo, constam que ela não se lembrava se já tinha tido contato com o adolescente.

Nove das 10 testemunhas de acusação foram ouvidas – uma delas já havia prestado depoimento na terça. A defesa dos réus focou em demonstrar como era a rotina dos pastores Joel Miranda e Fernando Aparecido na semana que Lucas desapareceu e foi encontrado morto.

As esposas dos dois religiosos contaram que estavam com os réus no dia em que Lucas teria desaparecido, na noite de 21 de março de 2001.

Fórum Ruy Barbosa, em Salvador — Foto: Maiana Belo/G1
Fórum Ruy Barbosa, em Salvador — Foto: Maiana Belo/G1

Além disso, um bispo e dois pastores da Igreja Universal foram ouvidos e contaram que Lucas era um jovem dedicado a religião e que os fiéis da igreja se comprometerem a procurar por ele após o desaparecimento.

No terceiro e último dia, os pastores Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva foram ouvidos por cerca de 5 horas. Depois, os promotores de Justiça e os advogados de defesa dos pastores Joel Miranda e Fernando Aparecido da Silva, participaram da fase de debate.

Cada um deles buscou convencer os jurados do Conselho de Sentença, por 2h30. Os representantes do Ministério Público da Bahia (MP-BA) optaram por não pedir a réplica e os jurados se reuniram na sala especial para votação.

Durante todo o dia, a mãe do adolescente, Marion Terra, acompanhou o julgamento e se emocionou por diversas vezes. No momento da explanação da defesa, ela saiu do salão principal e ficou sentada com os outros dois filhos e familiares.

Nota da Igreja Universal na íntegra

“A Igreja Universal do Reino de Deus lamenta profundamente a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário para assegurar a verdade e as devidas reparações. Asseguramos que iremos interpor todos os recursos cabíveis para que fique provada a inocência dos pastores Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda.

Lamentamos também ver essa parte da Imprensa que não cumpre a sua missão de modo ético, ao realizar uma cobertura “jornalística” que contrariou completamente o princípio básico da Justiça, dando tratamento de “culpados” aos pastores desde sempre, como campanha condenatória. E ainda ignorando a defesa e a voz da Universal – ferindo o princípio base do jornalismo: ouvir os dois lados e dar igual espaço. Isso só prova o tremendo preconceito com a igreja cristã e a dignidade do pastor evangélico no Brasil. Contudo, os abusos e eventuais crimes contra a honra praticados serão levados ao Poder Judiciário, para que sejam punidos na forma da lei”.

Fonte G1 Noticias

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