Bolsonaro diz que estava medicado quando publicou fake news
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou nesta quarta-feira (26) a investigadores da Polícia Federal ter publicado por engano em uma rede social, quando estava sob efeito de medicamentos, um vídeo questionando a lisura das urnas eletrônicas dois dias após os ataques golpistas às sedes dos três Poderes.
A versão foi relatada por representantes da defesa de Bolsonaro depois do depoimento de duas horas e meia do ex-presidente à PF, como parte da investigação sobre os atos de 8 de janeiro. A postagem do ex-mandatário foi apagada após ser tornada pública na época.
“Esse vídeo foi postado na página do presidente do Facebook quando ele tentava transmiti-lo para o seu arquivo de WhatsApp para assisti-lo posteriormente”, disse o advogado Paulo Cunha Bueno, na saída da sede da PF.
“Por acaso, justamente nesse período, o presidente estava internado em um hospital em Orlando [nos Estados Unidos]. Justamente no período entre o dia 8 e o dia 10 [de janeiro] ele teve uma crise de obstrução intestinal, isso está documentado, foi submetido a um tratamento com morfina, ficou hospitalizado e só recebeu alta na tarde do dia 10”, continuou.
Bolsonaro depôs no âmbito do inquérito que mira os autores intelectuais da investida que desaguou na invasão e depredação das sedes do Palácio do Planalto, do Congresso e do STF (Supremo Tribunal Federal).
Ele permaneceu na sede da PF em Brasília das 8h45 às 11h20. Estava acompanhado dos advogados Bueno e Daniel Tesser, além de Fabio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.
Ao longo de seu mandato (2019-2022), Bolsonaro acumulou declarações de cunho golpista e, ao perder as eleições, resistiu a reconhecer o resultado e incentivou apoiadores a permanecer em acampamentos que pediam às Forças Armadas um golpe que impedisse a posse do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O teor do depoimento não foi divulgado pela PF. Mas, segundo a defesa, Bolsonaro apenas respondeu aos questionamentos relativos ao objetivo de sua intimação, que era a publicação nas redes do vídeo produzido por um procurador do estado de Mato Grosso que ataca a segurança das urnas eletrônicas.
Os advogados afirmaram ainda que Bolsonaro se colocou à disposição para esclarecer outros pontos e está à disposição para depor na CPI mista do Congresso que investigará os ataques de 8 de janeiro.
Segundo a defesa, o ex-presidente recebeu o vídeo de terceiros e queria armazená-lo para assistir mais tarde. Bolsonaro, afirmam os advogados, não se deu conta de que realizou a postagem, mas foi alertado por auxiliares e apagou a publicação em seguida.
“Essa postagem foi feita de forma equivocada, tanto que pouco tempo depois, duas ou três horas depois, ele foi advertido e imediatamente retirou essa postagem. Observem inclusive que essa postagem foi feita na sua rede social de menor importância, apenas no Facebook, que é uma rede que ele pouco utiliza hoje em dia, e não foi colocada nas demais redes”, afirmou Bueno.
Na saída do depoimento, os advogados de Bolsonaro pararam para falar com jornalistas. O próprio ex-presidente chegou a descer de um outro veículo, indicando que concederia entrevista. No entanto, logo na sequência, voltou para o carro e deixou o local.
Wajngarten afirmou que a publicação havia sido feita equivocadamente pelo próprio ex-presidente. “Foi ele que postou, todos os metadados da plataforma estarão à disposição dos delegados da Polícia Federal.”
O aliado ainda acrescentou que a defesa fez uma demonstração aos policiais federais de como é fácil realizar uma postagem no Facebook.
“A referida postagem, objeto do depoimento de hoje, acontece poucas horas, poucos momentos após a saída dele do hospital, altamente debilitado, altamente medicado. E a postagem, a mecânica de postagem na plataforma do Facebook, se dá com meros dois cliques no botão compartilhar”, afirmou.
Os advogados disseram que as eleições de outubro de 2022 são “página virada” para Bolsonaro e que ele deixou claro isso durante o depoimento. Eles também afirmaram que o ex-presidente, durante a oitiva, condenou os atos de 8 de janeiro.
“O [ex-]presidente reiterou no depoimento de hoje, recriminou todo e qualquer ato antidemocrático, todo e qualquer ato que visa gerar instabilidade na ordem democrática”, afirmou Tesser. “O [ex-]presidente fez questão de consignar no depoimento de hoje: as eleições de 2022 são páginas viradas para ele. Isso está duas vezes no depoimento de hoje”, completou.
Segundo a coluna Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, Bolsonaro passou a tarde de terça (25) reunido com advogados e assessores para treinar as respostas que daria à PF.
O ex-presidente retornou ao Brasil no dia 30 de março, após uma temporada de quase três meses nos Estados Unidos. Bolsonaro havia saído do país um dia antes do fim de seu mandato, interrompendo assim a tradição democrática de passar a faixa presidencial para o seu sucessor.
Esse foi o seu segundo depoimento de Bolsonaro à PF após o seu retorno. O ex-mandatário já precisou dar explicações sobre o caso das joias recebidas de autoridades da Arábia Saudita.
A PF abriu quatro frentes de investigação após os ataques de bolsonaristas acampados no QG do Exército contra os edifícios das cúpulas do Executivo, Judiciário e Legislativo.
Uma delas mira os possíveis autores intelectuais, e é essa frente que pode alcançar Bolsonaro. Outra tem como objetivo mapear os financiadores e responsáveis pela logística do acampamento e transporte de bolsonaristas para Brasília.
O terceiro foco da investigação da PF são os vândalos. Os investigadores querem identificar os envolvidos na depredação dos prédios históricos da capital federal.
A quarta linha de apuração avança sobre autoridades omissas durante o 8 de janeiro e que facilitaram a atuação dos golpistas.
Essas investigações deram origem a dez fases ostensivas da operação Lesa Pátria até o momento, deflagradas pela PF para avançar nas apurações.
JOIAS DA ARÁBIA SAUDITA
A defesa de Bolsonaro comentou também o caso das joias enviadas por autoridades da Arábia Saudita, embora não fosse o objeto do depoimento desta quarta (26).
Os advogados afirmaram não verem motivos para que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro preste depoimento, sob argumento de que não houve fato novo. “Não foi intimada, não tem intimação, não tem previsão”, afirmou o advogado Paulo Cunha Bueno.
A defesa de Bolsonaro também buscou reforçar a versão de que o presidente não tinha conhecimento da existência das joias que foram apreendidas pela Receita.
Fabio Wajngarten disse ainda que Bolsonaro guardou as joias e outros bens na fazenda do ex-piloto Nelson Piquet porque não possuía uma residência com espaço suficiente para recebê-los.