Tráfico sexual de crianças na Ilha de Marajó: por que o silêncio persiste?
Saiba os motivos do silêncio da mídia e do governo.
O arquipélago do Marajó, no Pará, é um lugar de beleza natural única, mas também marcado por desafios sociais profundos. Entre eles, destaca-se o tráfico sexual de crianças e adolescentes, uma realidade alarmante que persiste há décadas. Apesar de denúncias desde 2006 e alertas de autoridades, o problema recebe pouca atenção contínua da mídia e ações insuficientes do governo. Por que a exploração sexual na Ilha de Marajó permanece nas sombras? Este artigo explora as causas dessa crise, os obstáculos à sua visibilidade e as razões da aparente negligência governamental.
Uma crise antiga e subnotificada
O tráfico sexual de crianças e adolescentes no Marajó é uma realidade documentada há anos. Em 2006, o bispo emérito José Luís Azcona denunciou a exploração de meninas em balsas do rio Tajapuru, trocadas por carne ou diesel. Reportagens do Fantástico (2009) e da Folha de S.Paulo expuseram casos de “balseiras”, adolescentes exploradas sexualmente por valores irrisórios. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2022), o arquipélago registrou 550 crimes sexuais contra menores naquele ano, incluindo 407 estupros de vulneráveis, uma taxa 2,5 vezes superior à média nacional.
Ainda assim, especialistas alertam: os números não refletem a realidade. “A falta de estrutura para denúncias e investigações mascara a verdadeira dimensão do problema”, afirma Diego Martins, da Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças. A pobreza extrema — Melgaço tem o menor IDH do Brasil (0,418) — e o isolamento geográfico, com comunidades acessíveis apenas por rios, aumentam a vulnerabilidade. “Essas condições alimentam o crime”, explica Luciana Temer, diretora do Instituto Liberta, em entrevista à Carta Capital (2024).
Por que a mídia ignora a exploração sexual no Marajó?
A cobertura do tráfico sexual na Ilha de Marajó é intermitente, surgindo em momentos de viralização — como em 2024, com a música de Aymeê Rocha no reality Dom — e desaparecendo logo depois. Por que isso acontece? Especialistas apontam alguns motivos:
- dificuldades logísticas: o acesso ao Marajó é caro e demorado, desanimando redações. “Muitas priorizam pautas urbanas de apelo imediato”, diz Jacqueline Guimarães, pesquisadora da Amazônia Latitude, no podcast Olho d’Água (2024).
- sensacionalismo e desinformação: denúncias exageradas, como as de Damares Alves em 2022 sobre mutilações, prejudicam a credibilidade, segundo o Observatório do Marajó.
- concorrência com outras pautas: crises como desmatamento e violência urbana ofuscam a exploração sexual no Pará.
Esse padrão resulta em uma atenção passageira, incapaz de sustentar um debate contínuo.
Por que o governo falha no combate ao tráfico sexual?
O combate ao tráfico sexual no Marajó é criticado pela falta de prioridade. Programas como o Cidadania Marajó (2023) prometem melhorias, mas são considerados insuficientes. Em audiência na Câmara (2024), Rita de Oliveira, secretária-executiva do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, afirmou: “O enfrentamento exige avanços socioeconômicos”. Contudo, a ausência de metas claras decepciona especialistas.
A procuradora Rejane Alves, do Ministério Público do Trabalho no Pará, destaca: “A exploração sexual vem acompanhada da falta de direitos básicos, como saneamento e educação”. Dados do ministério revelam que 28,3% dos nascimentos no Marajó entre 2018 e 2021 foram de mães adolescentes, um indicativo de abuso. Iniciativas como o Projeto Mapear da Polícia Rodoviária Federal (2024) enfrentam limitações, como falta de lanchas e efetivo. “A vontade política é fraca em uma região sem peso eleitoral”, avalia Luciana Temer (IstoÉ, 2024).
Barreiras estruturais e culturais à investigação
Investigar o tráfico sexual no Marajó é um desafio complexo. Em 2024, o delegado Pedro Rodrigues Neto, da Polícia Federal, informou que não há indícios de crimes federais, como tráfico internacional, mas violações locais dependem da polícia civil, que sofre com escassez de recursos. A falta de internet e transporte dificulta denúncias pelo Disque 100, e a naturalização da violência em comunidades isoladas inibe a busca por ajuda.
Culturalmente, o tabu é outro obstáculo. “A população teme represálias de aliciadores”, afirma o Observatório do Marajó. Casos de impunidade, como o de um pai fugitivo relatado pela promotora Patrícia à Agência Pública (2019), reforçam o silêncio.
Um problema que clama por ação urgente
O tráfico sexual de crianças e adolescentes na Ilha de Marajó permanece pouco investigado devido a barreiras logísticas, desinformação e prioridades desalinhadas. A mídia, limitada por recursos, recua após picos de interesse. O governo, focado em questões centrais, falha em oferecer soluções robustas. “Transformar indignação em ação exige mais que discursos”, sentencia Luciana Temer. Enquanto isso, o Marajó segue como um grito abafado na Amazônia, aguardando um compromisso real.