Armando do Valle

Presidente da Cosama Armando do Valle avalia como positivo o novo marco do saneamento lançado pelo governo Lula

‘Novo marco é uma chance para reerguer a companhia’

O diretor-presidente da Companhia de Saneamento do Amazonas (Cosama), Armando do Valle, avalia que as mudanças feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Novo Marco do Saneamento darão fôlego à empresa para que amplie a sua atuação no interior do Amazonas. Na avaliação dele, sema participação do setor público, a iniciativa privada não vai conseguir universalizar o tratamento de água e esgoto até 2033.As Parcerias Público Privadas (PPPs), opina Armando, são o caminho para destravar investimentos de ambos os setores, ainda assim nos últimos quatro anos nenhuma empresa propôs PPPs com a Cosama. A seguir, trechos da entrevista concedida para ACRÍTICA. Qual é o maior desafio da Cosama na administração do sistema de água nos municípios amazonenses alcançados pela empresa? O maior desafio é levar uma água de qualidade, uma água tratada e que possa fornecer saúde, porque a água também é saúde. Atuamos hoje em 15 municípios. Nosso desafio maior é expandir essa nossa rede, dado que recebemos há quatros anos uma empresa sucateada. E esses primeiros quatro anos foram para resgatar a companhia, principalmente. Do aspecto operacional, deixaram máquinas quebradas, bombas sem manutenção, empregados sem qualificação. Todo tipo de coisa achamos ao assumir aqui quatro anos atrás. O que a sua gestão tem feito para mudar isso? Em um primeiro momento, nosso trabalho foi focado em que a Cosama não parasse. Nos quatros anos, recebemos mais três municípios: Atalaia do Norte, Nova Olinda e Nhamundá. Agora somos quinze cidades. Trabalhamos a recuperação dos equipamentos, principalmente na questão da qualidade da água. Esse foi o nosso foco, entregar uma água de qualidade para as pessoas. Expandir a rede que não é fácil porque temos uma rede de 40 anos em municípios, sem trocar um cano ou mudar uma peça. Esse foi o grande desafio nesses primeiros quatro anos. E também fazer uma gestão na qual as pessoas procurem valorizar o trabalho que a Cosama faz no interior. O orçamento da Cosama para este ano é de R$23,4 milhões. Este recurso serve apenas para pagamento de despesas do órgão? Exatamente, só para isso. Apesar de que esse ano temos dois empreendimentos que estão no nosso orçamento, que são na cidade de São Gabriel da Cachoeira e Boca do Acre. Esses recursos somam R$ 10 milhões. Estamos aguardando a liberação destes recursos para finalizar as obras que foram iniciadas em novembro do ano passado. O orçamento da Cosama é muito vinculado ao orçamento da Secretaria de Estado de Infraestrutura. Esses R$ 23 milhões são para cobrir as nossas despesas. O que nos mantém são as prestações que os clientes nos pagam, mas que na maioria das vezes gira em torno de 30%a40%deinadimplência. O que a empresa tem feito para combater a inadimplência? Cobrado, protestado, executado e cortado. Passamos um período

muito grande sem fazer essas atividades por causa da lei eleitoral. Não pode cobrar durante o período eleitoral para que a gente não prejudique o eleitor ou alguém se beneficie com essa situação. Na LOA, o governo do Amazonas prevê gastar R$219,5milhões com políticas de saneamento básico urbano. O que é possível fazer com esse recurso? Esse recurso está vinculado principalmente à Secretaria de Infraestrutura. Hoje, ela está recuperando três cidades que são Carauari, Nova Olinda e Codajás. Esse recurso é destinado a construir novas estações de tratamento nessas cidades. A Cosama é vinculada à Secretaria de Infraestrutura (Seinfra). É a Seinfra que realiza obras de infraestrutura e saneamento básico. E quem administra essas estruturas depois de construídas? Quando é obra que beneficia a Cosama é a Cosama que recebe. Não temos nenhuma obra de esgoto. Atualmente, não fazemos esgoto. Agora com o novo marco vai ser uma política da empresa adotar a obra de esgoto. Em 2019, a Cosama era responsável pela gestão do saneamentode12municípiosdo estado. Atualmente, a empresa está presente em 15 municípios dos 62. Existe previsão para a Cosama aumentar a sua presença no interior? Se dependesse só dos prefeitos, teríamos 50 cidades sob a gestão da Cosama. O governador sempre tem dito para nós que a cidade que quiser entregar o sistema, vamos receber. Agora, é claro que será com responsabilidade, planejamento. O novo marco (do saneamento) faz com que a gente tenha maior responsabilidade porque ele permite recebermos as cidades. É isso que os prefeitos vão entender agora. Ele vai trazer a cidade para nós e vamos receber com a legalidade que a lei exige. Posso citar exemplos que vamos receber:  Boca  do Acre, após concluir a estação de tratamento; São Gabriel da Cachoeira, tem uma tratativa para recebermos; Novo Airão e Rio Preto da Eva. Isso só são alguns exemplos, porque se formos detalhar as cidades que fizemos visitas para analisar o sistema de  abastecimento são 30 cidades. Até o final de 2026, a Cosama deve estar operando em torno de 30 a 40 cidades. Por que os prefeitos querem entregar a administração do sistema? Os municípios não têm capacidade financeira para aguentar o sistema de abastecimento de água como a lei exige. Por exemplo: não pode interromper o sistema. A água tem que ser tratada, distribuída para maior quantidade da população e para isso a prefeitura não detém capacidade. E em muitos municípios do Amazonas, a água nem é cobrada. Isso é uma coisa que está errado, onde a Cosama vai a lei é estabelecida. Você não pode abrir mão de receita. Umas das coisas que falo para os prefeitos: você quer entregar, então saiba que vamos ter que cobrar. Melhoramos o sistema de abastecimento e a gente cobra. Por  exemplo, em Nova Olinda, não existia cobrança. Melhoramos e hoje é cobrado. Em Nhamundá, também. No  ano passado, o Instituto Trata Brasil classificou a situação de 14 municípios em que a Cosama atua como irregular .O instituto alegou no levantamento que a empresa não apresentou documentação exigida  pelo decreton°10.710 de 2021 que serve para a testar a capacidade econômico – financeira para prestar o serviço. Essa pendência já foi resolvida? É verdade o que o Trata Brasil falou. A gente não tinha capacidade econômico – financeira porque o Marco do Saneamento que o ex-presidente Jair Bolsonaro fez nos impedia de fazer. Ou a gente fazia isso ou entregava as cidades aos prefeitos-e seria o caos ou tentávamos recuperar. Com o novo marco do Governo Lula, ganhamos a chance até 2025 de recuperarmos toda a questão financeira da companhia e trabalharmos em prol do novo marco. Isso é uma coisa que ficou bem clara quando o presidente Lula fez o lançamento do novo marco. Para nós, é uma chance de reerguer a companhia  elevar uma melhor qualidade de água para a população. Como está a capacidade de endividamento da Cosama. Ela tem capacidade de assumir novos municípios?  O governo do Amazonas é o maior acionista da Cosama. O governo tem 99,9% da Cosama. Quando assumimos uma cidade, é o governo que esta com a mão dele lá. O governo se compromete com o prefeito a levar água de qualidade. 90% dos municípios estão sem capacidade para gerir suas companhias de água. Mas as nossas contas estão em dia. O único problema é que o valor da prestação pelo serviço que cobramos é muito baixo. Você paga para ter mil litros, dez mil  litros ouvinte mil litros R$ 16,80 por mês. Deixaram a companhia sucateada, não temos hidrômetros nas cidades. Não aferimos a água para a população. Só arrecadamos uma taxa nos quinze municípios que estamos. Esse  é o grande problema da companhia. Porque se fôssemos considerar o consumo, teríamos que cobrar R$ 30 o metro cúbico. Teria que ter o hidrômetro e medir a quantidade que cada um consome. E isso não faço por que o nosso papel é mais social. Essa  realidade é nos quinze municípios? Só tem dois municípios que medimos o consumo. Em Tabatinga, medimos 60% das residências e em Carauari  temos 90% dos lares hidrometrados. O resto das cidades não tem hidrômetro. Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou dois decretos alterando o Novo Marco do Saneamento Básico. Na prática, Lula deu mais prazo para empresas públicas se regularizarem, derrubou o limite de 25% da PPPs, além de trazer a possibilidade de empresas públicas prestarem serviços sem necessidade de licitação. Como o senhor avalia as mudanças? É uma mudança benéfica para nós. Primeiro, porque se a gente não tivesse essa abertura, estaríamos fadados a entregar essas companhias para as cidades. Tabatinga e Benjamin Constant teriam que assumir a água sozinha e a prefeitura não tem capacidade de gerenciar um sistema de abastecimento de água .Além de ser caro é deficitário. Tabatinga gera um déficit para nós em torno R$ 400 a 500 mil porque as prestações são baixas. Quando se fala de licitação não é de compra, mas é quando um prefeito entrega a cidade (para a Cosama) e recebemos. Vai fazer um termo de cooperação técnica com a gente e depois um contrato de programa e isso o governo Lula abriu para nós. No marco do Bolsonaro, isso era proibido. Na sua opinião, a iniciativa privada tem condições de, sozinha, universalizar o tratamento de água e esgoto até2033? A iniciativa pública precisa participar. A iniciativa privada não tem interesse em tratar água em Itamarati porque o custo não compensa. A iniciativa privada faz o que dá lucro. Se não dá lucro, ela não vai atuar.  Agora se tiver um incentivo ou um financiamento talvez aconteça isso. O sistema de abastecimento de água foi falido quando houve a privatização de Manaus. Ninguém pode negar isso. Somos um  exemplo que deu errado para o Brasil porque nunca deveríamos ter sido privatizado. Se a Cosama atuasse em Manaus, estava distribuindo para todos os 51 municípios em que já atuou antes da privatização. O ex-governador Amazonino errou na mão quando decidiu privatizar. Ele esqueceu o interior, abandonou os prefeitos e as pessoas. Isso temos que deixar bem claro. Foi o governador Wilson Lima que resgatou a Cosama e a dignidade de muita gente que não recebia água no interior. Em entrevista ao ACRÍTICA, em 2019, o senhor afirmou que nenhuma empresa privada quis propor Parcerias Públicos Privadas (PPPs) com a Cosama. De lá para cá, o cenário é o mesmo? Ele é pior. Porque nenhuma empresa privada se interessa em assumiras cidades onde a Cosama está. Nenhuma. Primeiro, porque a taxa é barata, é social. Segundo, por que a nossa logística é gigantesca e caríssima. Levo um produto químico de Manaus para Tabatinga, quanto custa isso? A nossa taxa é a menor entre todas as companhias do Brasil. Se formos cobrar caro, a população fica sem água. A iniciativa  privada não enxerga o interior como uma fatia lucrativa no mercado de saneamento básico? Atualmente, não. Talvez, agora com o novo marco do governo Lula as coisas mudem, porque se houver um investimento privado que faça uma parceria pública com a gente, talvez tenham interesse. Não estamos na região metropolitana. A Cosama está nas cidades mais distantes. Na região mais próxima de Manaus, onde a logística é de fácil acesso, acho que a iniciativa privada pode ter o interesse de assumir essas cidades. Mas existe uma lei estadual que o governo vai regulamentar a lei que vai dar oportunidade para as privadas enxergarem essa fatia do mercado no Amazonas. Então o novo Marco pode acelera risso? O Marco do Saneamento instituiu uma regionalização. No Amazonas só terá uma microrregião. Uma instituição vai cuidar das 61 cidades. Isso é o que está colocado no marco. Em breve a Cosama vai deixar de existir porque o marco obriga você a regionalizar. No Amazonas, pela nova lei, haverá um marco só. Ainda vamos trabalhar (para definir) como vamos reescrever a normatização desta lei. É um impacto na cabeça dos prefeitos e das empresas públicas de água. Cada prefeitura que tem a sua companhia precisa enxergar que eles têm uma obrigação de que até 2033 tem que haver uma universalização do saneamento.

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