Pastores se decepcionam com omissão de Bolsonaro pós-derrota
Um pastor estende a outro, no intervalo do culto, a tela de um celular com a face de Jair Bolsonaro (PL) estampada na capinha. Queria mostrar um meme que associa o presidente a uma clássica propaganda de remédio: “Tomou Doril, a dor sumiu”.
Também Bolsonaro desapareceu do mapa político desde que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o bateu nas urnas. E pastores que marcharam ao seu lado durante toda a campanha eleitoral não vão mentir: esperavam mais dele.
Para ficar na metáfora matrimonial da qual Bolsonaro é tão afeito, o líder de uma grande igreja do país, que nos dois turnos da eleição vestiu verde e amarelo para não deixar dúvidas sobre de que lado estava, compara: muitos pastores estavam dispostos a seguir com ele na alegria e na tristeza, como manda o tradicional voto de casamento.
Mas Bolsonaro apequenou sua biografia ao não oferecer uma palavra de conforto para a multidão que o escolheu no pleito.
A maioria fala sob reserva, e sempre na mesma toada: a decepção com o sumiço do presidente, que quase nada falou após a derrota, é generalizada. Só há divergências sobre como ele deveria se posicionar neste momento.
Alguns chefes de igreja nutriam a expectativa de que Bolsonaro encorajasse mais os atos antidemocráticos na frente de quartéis. Outros, contudo, só queriam que ele tivesse reconhecido a vitória do adversário, empacotado as malas e se preparado para liderar a oposição nos novos anos Lula. Aí, sim, voltar com tudo em 2026.
Seu mais vocal cabo eleitoral entre evangélicos, o pastor Silas Malafaia não está feliz com a conduta do amigo, com quem não fala há quase dois meses.
“Não acho que ele reagiu bem à eleição. Claro que sentir a derrota é normal, mas não precisa ficar prostrado o tempo inteiro, sabe? Gosto muito dele, mas acho que nisso ele falhou.”
“A reclusão por um tempo é compreensível, e qualquer coisa que ele falasse poderia ser mal interpretado”, acrescenta o apóstolo César Augusto, outro correligionário no segmento evangélico. “Mas o silêncio não pode ser eterno. Ele deveria se pronunciar à nação e aos seus eleitores sobre perspectivas do futuro.”
Também frustrante, diz Malafaia, é não ouvir do presidente palavras mais contundentes para os bolsonaristas acampados à espera de uma ação das Forças Armadas que impeça a posse de Lula.
“Pra dizer pra esse pessoal ir pra casa, voltar a trabalhar, certo? Porque esse povo depois toma esperança em alguma atitude do presidente.”
Malafaia já sugeriu que Bolsonaro deveria evocar uma intervenção militar, via artigo 142 da Constituição, contra um suposto abuso de poder do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes.
“A responsabilidade é do presidente. Não adianta querer transferir pro povo ficar igual a maluco em frente ao quartel”, disse em novembro.
Mas o “timing” para isso já era, afirma agora. Bolsonaro falhou como líder. “Uma marca da liderança: atitude e ação. Ninguém é perfeito, todos nós falhamos, mas ele falhou em se omitir.”
O pastor André Valadão, outro aliado ferrenho no pleito, concorda que a maioria dos pastores que se alinharam ao bolsonarismo não vai debandar para o colo de Lula. Na alegria e na tristeza, não é mesmo? Mas também a ele irritou a mudez do chefe do Executivo nos últimos dois meses.
“Como eu sempre disse nas redes. Defendo a ideologia de direita e sou completamente contra o ideal do PT e da esquerda. Nunca foi sobre Bolsonaro”, disse a um seguidor no Instagram que o questionou se estava desapontado com o presidente. “Quanto a decepcionar, sim, ele tem agido de forma decepcionante. Agido, não. Não agido.”
A fala da mulher de Átila Mello, pastor preso nesta quarta (28) em operação ordenada por Moraes contra bolsonaristas, sintetizou a omissão do homem tido como o maior aliado dos evangélicos entre todos os presidentes que o Brasil já teve.
“Cadê você, Bolsonaro? Se posiciona, Bolsonaro. O seu povo está perecendo. O seu povo está sendo perseguido. O seu povo está sendo preso por lutar pela causa do Brasil. Cadê você, Bolsonaro? Cadê a sua caneta? Agora é a hora de usar sua caneta, Bolsonaro”, disse Carina Mello.
Enquanto isso, segundo aliados, o presidente fazia planos de viajar para os EUA neste final de 2022, suspiro final do seu mandato.
Já deu de “mimimi”, dizem pastores na miúda, valendo-se de um linguajar típico do bolsonarismo para diminuir o lamento que julga exagerado.
“Perder uma batalha não significa uma derrota definitiva”, afirma o apóstolo César Augusto. “Uma guerra é feita de várias batalhas. Um líder não pode ficar prostrado para sempre.”
E, bom, sabe como é: “Na minha opinião, ele perde se não se posicionar. Se você não ocupar espaço, deixa para outro ocupar”, diz Malafaia.
“Cada um na sua proporção, mas também sou líder. Se eu não me posicionar o tempo todo, não posso querer que as pessoas continuem me apoiando, porque as pessoas precisam me ouvir sobre qual é o rumo.”
O pastor diz que, tal qual o comandante de um navio, um grande líder não pode deixar o navio à deriva.
“É importante dizer que o conservadorismo é muito maior do que Bolsonaro. A esquerda, de maneira malandra, tenta colocar todo mundo que é conservador como bolsonarista. Claro que ele é a maior expressão disso, mas o conservadorismo é muito maior, isso eu garanto pra você.”