Médica que manteve idosa em situação de escravidão diz que fez por “caridade”
Acusada de manter uma idosa em situação análoga à escravidão por 27 anos, a médica pediatra Maria de Fátima Nogueira Paixão afirmou que o fez por “caridade”.
Em depoimento ao Ministério Público do Trabalho (MPT), a mulher afirmou que tentava ajudar a vítima de 82 anos, que passou quase três décadas trabalhando para sua família sem salários, folgas ou outros direitos trabalhistas.
“Ela falou: ‘Eu estou fazendo uma caridade, porque nem a família dela quer ela”, relatou ao portal Metrópoles o procurador Henrique Correia, responsável pela condução da força-tarefa que resgatou a idosa em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.
Correia explicou que questionou à pediatra se ela não pensou em pagar salários à mulher que passou tanto tempo cuidando de seus filhos. “Dava dinheiro picado (à vítima)”, foi a resposta.
Maria de Fátima afirmou que desembolsava R$ 100 a cada 15 dias, em média, para que a idosa pudesse visitar o irmão em uma cidade próxima. Nem esse valor, porém, foi comprovado após análise do caso.
“Não se comprovou que havia o pagamento dos direitos mínimos e a garantia de dignidade. Constatamos que ela nunca teve um pagamento. Ela nunca registrou essa senhora”, disse o procurador.
Em vez de pagar à vítima pelos serviços, há a suspeita de que Maria de Fátima e o marido, o empresário Hamilton José Bernardo, ficassem com o pouco que ela ganhava do governo, por meio do Benefício Previdenciário Continuado (BCP).
“Ela [vítima] recebia um auxílio do governo que a gente não sabe onde está esse dinheiro. Ela [idosa] estava com uma bolsa, eu perguntei se ela estava com o cartão da aposentadoria. A senhora respondeu que ficava com a patroa”, apontou Henrique Correia.
Entenda o caso
A idosa foi resgatada da residência de uma médica e de um empresário, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo (SP), após ser mantida em regime análogo à escravidão por 27 anos, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT). As informações foram divulgadas nesta quarta-feira (7) pelo órgão.
Por quase 30 anos de serviço, a idosa nunca teve, segundo o MPT, direito a folga ou até mesmo acesso ao salário.
A médica e o empresário, diziam para a vítima que estavam guardando dinheiro para dar uma casa à mulher, mas a idosa nunca recebeu o imóvel prometido.
Além de não pagar salários à mulher, o casal se apropriou de um cartão de Benefício Previdenciário Continuado (BPC), segundo os investigadores. A idosa vai ser indenizada em mais de R$ 800 mil.
A idosa foi resgatada por meio de uma força-tarefa realizada em 24 de outubro pelo MPT, Polícia Militar (PM) e Ministério do Trabalho e Previdência.
O inquérito civil foi instaurado após o recebimento de uma denúncia anônima. A diligência foi conduzida pelo procurador Henrique Correia e pelos auditores fiscais do trabalho Sandra Ferreira Gonçalves, Jamile Virgínio e Cláudio Rogério Lima Bastos, além de policiais militares.
No entanto, no dia da inspeção do MPT a médica tentou fugir, porém, a fuga foi frustrada pela PM, que participava da operação no local.
Os PMs levaram a médica e a idosa de volta para a residência para a continuidade da fiscalização, segundo o MPT.
“A empregadora foi muito agressiva e fugiu com ela [vítima]. Falou que ela [vítima] tinha dentista, colocou ela no carro e fugiu”, relatou ao Metrópoles o procurador Henrique Correia, responsável pela investigação e diligência na residência onde mora a médica e o marido empresário.
Além disso, a acusada de promover trabalho análogo à escravidão também resistiu à operação ao tentar impedir a entrega de documentos pessoais e a identificação da vítima.
Segundo o MPT, a médica também foi verbalmente agressiva com uma auditora fiscal. A médica chegou a dizer para a profissional: “minha vontade era de te esganar” e “eu queria te bater, se eu pudesse”.
Na sexta-feira (2), a Justiça determinou o bloqueio de bens da médica e do empresário. A transferência de um carro pertencente ao casal também já foi alvo do bloqueio.
O valor de R$ 815 mil será transferido para a idosa, com objetivo “reparar uma vida inteira de submissão e abusos praticados” pelos réus, diz o MPT. A investigação começou após uma denúncia anônima.
Fonte Yahoo Noticias